terça-feira, 5 de agosto de 2008

Efeito da Posição Prona em Pacientes com Síndrome da Angústia Respiratória no Adulto

A posição prona auxilia na melhora da troca gasosa em aproximadamente dois terços dos pacientes com SDRA. O mecanismo que causa este aumento do conteúdo de oxigênio no sangue arterial tem sido motivo de numerosos estudos em modelos animais com doença pulmonar induzida. Nestes modelos, como também em muitos pacientes com SDRA, as unidades de pulmão pouco e/ou não-aeradas apresentam principal localização nas posições pulmonares dependentes.O efeito fisiológico mais importante da posição prona é a melhora da oxigenação, que ocorre em cerca de 70% a 80% dos pacientes com Síndrome da Angústia Respiratória no Adulto (SARA).Essa melhora da oxigenação pode ser atribuída a vários mecanismos que podem ocorrer isolados ou associados. Dentre eles,estão:
a diminuição dos fatores que contribuem para o colabamentoalveolar;
a redistribuição da ventilação alveolar, e
a redistribuição da perfusão.
Diminuição dos efeitos de compressão que favorecem o colabamento alveolar (atelectasia).Qualquer que seja o posicionamento de um indivíduo, a expansão alveolar é sempre dependente da pressão transpulmonar, que é a diferença entre a pressão alveolar e a pressão pleural. Independentemente de o pulmão apresentar ou não lesão, a pressão pleural é sempre maior nas regiões dependentes do pulmão (menos negativa), de modo que a expansão alveolar é menor nesta região.Entretanto, na presença de edema pulmonar, a pressão pleural torna-se ainda mais positiva na porção dependente, o que agrava a diferença de pressões transpulmonares entre as regiões dependentes e não dependentes. Já em posição prona,a distribuição da pressão transpulmonar torna-se mais homogênea quando comparada à posição supina, pois a variação da pressão pleural entre a região dependente e a não dependente é menos acentuada.O motivo pelo qual o gradiente de pressão transpulmonar se comporta desta forma nas diferentes regiões pulmonares não está plenamente esclarecido, mas pode ser atribuído a diversos fatores:Peso pulmonarComo o processo patológico da doença é uniforme em todo o pulmão, o edema pulmonar faz o peso pulmonar aumentar, o que, somado à ação da gravidade, faz com que as regiões dependentes sofram colapso. Desta maneira, em posição supina, a região dorsal é a mais colapsada.Ao se pronar o doente, a região dorsal não sofre mais ação do peso pulmonar, de modo que se torna mais expandida.Massa cardíacaEm indivíduos normais, o peso do coração sobre regiões dependentes do pulmão diminui o gradiente de pressão transpulmonar, exercendo grande influência na aeração destas regiões, o que facilita o seu colabamento. Nos pacientes com SARA, este efeito pode ser ainda mais acentuado, devido ao aumento da câmaracardíaca direita secundária à hipertensão pulmonar decorrente da vasoconstrição hipóxica, liberação de substâncias vasoconstritoras e remodelamento da circulação pulmonar. Estudos tomográficos em posições prona e supina compararam as áreas pulmonares que estavam sob compressão cardíaca e mostraram que ao contrário da posição supina,que tinha considerável fração de ambos pulmões sob peso cardíaco, na posição prona apenas uma pequena fração de ambos pulmões estava sob este efeito.Alteração da mobilidade diafragmática e desvio cefálico do conteúdo abdominalEm humanos, o movimento do diafragma na posição supina é uniforme enquanto que na posição prona ocorre maior movimentação da região dorsal.Este fato ocorre porque, provavelmente, a compressão do diafragma pelos órgãos abdominais se torna menor. A sedação e a paralisia dos pacientes ventilados mecanicamente deprimem o tônus muscular diafragmático, fazendo com que o conteúdo abdominal induza a um desvio cefálico das regiões mais posteriores do diafragma em posição supina, o que contribui para o colapso destas regiões.Em posição prona, o peso do conteúdo abdominal fica repousado sobre a superfície do leito, diminuindo o desvio do diafragma.Configuração da caixa torácicaA configuração da caixa torácica pode influenciar a pressão transpulmonar das diferentes regiões pulmonares. Na posição supina seu formato é triangular (ápice em cima), o que permite a formação de atelectasias mais extensas na região dorsal. Na posição prona ela assume uma forma mais retangular, de modo que a formação de atelectasias se torna menor.Para concluir, na posição supina a expansão pulmonar é menor nas porções dependentes, devido ao peso do pulmão e da massa cardíaca, à movimentação diafragmática e ao formato da caixa torácica. Estes fatores na posição prona são todos amenizados,o que permite uma melhor aeração destas regiões. Essa situação foi mostrada claramente pelos estudos de Gattinoni et al. em 1991, que compararam a tomografia computadorizada de tórax nas posições prona e supina.
IndicaçõesApesar de os efeitos benéficos da posição prona terem sido mostrados em várias patologias pulmonares,a mais estudada e a principal indicação é a SARA. A utilização da posição prona pode ter diferentes objetivos. Caso o efeito desejado seja a melhora da oxigenação arterial, ela deve ser utilizada somente nas situações de necessidade de altas frações inspiradas de oxigênio, para conseguir a oxigenação adequada. Entretanto, caso o objetivo principal seja o de diminuir a lesão pulmonar induzida pela ventilação mecânica, a posição prona deve ser utilizada o mais rápido possível, imediatamente após o diagnóstico da SDRA/lesão pulmonar aguda e também se deve utilizá-la o maior tempo possível. Questiona-se se há realmente a necessidade de voltar o paciente para a posição supina, visto que a lesão pulmonar causada pelo ventilador pode se iniciar com poucos minutos de ventilação mecânica não protetora.
Contra-indicaçõesA posição prona é contra-indicada em casos de queimadura ou ferimentos na face ou região ventral do corpo, instabilidade da coluna vertebral, hipertensão intracraniana, arritmias graves ou hipotensão severa e, apesar da não contra-indicação, deve-se avaliar quanto à presença de cateteres de diálise e drenos torácicos.
ProcedimentoSão necessárias quatro pessoas para o posicionamento do paciente. Uma deverá permanecer na cabeceira do leito e será responsável pelo tubo endotraqueal. É aconselhável que esteja preparada para realizar aspiração da cânula, visto que ocorre abundante drenagem de secreção após o posicionamento em prona. Uma segunda pessoa ficará encarregada de cuidar para que cateteres, drenos e conexões não sejam tracionados. E a terceira e quarta pessoas, posicionadas uma de cada lado do leito, serão responsáveis por virar o paciente, primeiramente para o decúbito lateral, e em seguida para a posição prona. Os braços devem ser posicionados ao longo do corpo, com a cabeça voltada para um dos lados, e os eletrodos para monitorização cardíaca fixados no dorso. Não é necessário que se faça suspensão abdominal, já que este procedimento não traz nenhuma vantagem sobre a resposta positiva da posição.A oxigenação pode cair durante o procedimento de virar da posição prona para a supina. Este dado não deve ser visto como falha, pois rapidamente ela deverá melhorar. Somente após 30 minutos sem melhora na oxigenação podemos considerar como potencial falha do processo e ficar atentos, aguardando uma possível resposta, por até duas horas. É importante salientar que pacientes que tiveram falha prévia podem responder em uma segunda tentativa.
CuidadosPara minimizar algumas complicações, é importante, antes do procedimento, verificar se o tubo endotraqueal está posicionado 2 cm acima da carina e fixado de forma segura;parar a alimentação enteral e constatar a presença de resíduos alimentares;assegurar-se de que todos os acessos e cateteres estão desconectados;durante o posicionamento em prona, mudar a posição da cabeça a cada duas a quatro horas.
ComplicaçõesComo relatado no trabalho de Gattinoni et al.,a incidência de complicações graves na posição prona, como extubação acidental, hipotensão severa e arritmias, são baixas, talvez devido ao trabalho dos enfermeiros e fisioterapeutas nos cuidados com o manejo dos pacientes nesta posição.No entanto, outras complicações menos graves são mais comuns. O edema facial é a mais comum das complicações,ocorrendo em praticamente 100% dos pacientes que permanecem poucas horas na posição prona. No entanto, os trabalhos que reportaram esta complicação observaram regressão total do edema algumas horas depois de retornar o doente para a posição supina. Existem ainda grupos que conseguiram reduzir o edema de face posicionando o paciente em Trendelemburg reverso (10°), sem que resultasse em severa hipotensão. Ulcerações cutâneas também ocorrem, freqüentemente envolvendo o queixo, orelhas, região anterior do tórax, cristas ilíacas e joelhos. A sua gravidade possui correlação direta com o tempo e a idade dos pacientes, mas na maior parte das vezes não requerem tratamento tópico específico. Em alguns casos, é observada dificuldade com alimentação enteral, devido a vômitos ou aumento de resíduo gástrico. Este problema pode ser contornado reduzindo-se o volume de dieta administrada e com a utilização do Trendelemburg reverso, que novamente pode ser benéfico, neste caso reduzindoo refluxo esofágico. A obstrução de vias aéreas pode ocorrer devido ao acúmulo de secreções, mas pode ser evitada realizando-se aspirações do tubo endotraqueal com maior freqüência. Outras complicações, como deslocamento de cateter venoso central e barotrauma devido a intubação traqueal seletiva, são raras. Apenas um único relato de ulceração infecciosa de córnea foi descrito na literatura.Outro ponto desfavorável é que, em posição prona, a necessidade de sedação é maior, e este fato é preocupante, pois pode aumentar a ocorrência de paresias neuromusculares, que aparecem freqüentemente em pacientes graves internados nas unidades de terapia intensiva.
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